quarta-feira, 8 de dezembro de 2010

EX-JOGADOR CANTONA SUGERE UNIÃO POR UM COLAPSO DOS BANCOS, NA FRANÇA

Como nos tempos da ativa, Cantona continua batendo!
O ex-jogador francês Eric Cantona, esteve em destaque durante a semana, ao sugerir em entrevista, que as pessoas tirassem seus dinheiros dos bancos, levando-os ao colapso. Sua postura foi duramente criticada por intelectuais, bem como por autoridades políticas, destacando sua "irresponsabilidade" ou "ineficácia", uma vez que seus 34 mil seguidores do Facebook, "não colocariam" em perigo o sistema, caso tomassem tal atitude. Segundo o ex-jogador:


"A revolução é muito simples de ser feita hoje. Ao invés de ir às ruas fazer quilômetros de manifestações, você vai ao banco da sua cidade e retira todo o teu dinheiro", conclamou o ex-atacante da seleção francesa e ídolo do Manchester United, argumentando que se 20 milhões de pessoas decidem fazer o mesmo, o sistema bancário desmoronaria. "É uma revolução sem armas, nem sangue. Estou constatando essa estranha solidariedade que está nascendo, então, sim, no dia 7 de dezembro, eu irei ao banco."(1)

A repercussão das palavras de Cantona tomam maior força, por ser ele um representante de um esporte absolutamente popular e pelo quadro socio-político que vem atravessando a França, na crise da atual política econômica  (previdenciária) e controle de fluxo de imigrantes, com ares de xenofobia  (que o próprio Cantona chamou de  "coisa de idiota", ao referir-se ao presidente Nicolas Sarkozy). 

Cantona, em tempos de "faça..."
Do ponto de vista da relação jogador de futebol e política, compreende-se que no exercício das suas carreiras, os atletas veem-se de mãos atadas, impedidos e de posicionamentos ideológicos, em busca de bons contratos com os clubes e patrocinadores. Qualquer manifestação a submissão às autoridades, sejam elas de ordem clubística, econômica ou política, pode custar caro e selar seu destino. No Brasil, temos os casos de Afonsinho, do Botafogo, na sua luta pelo passe livre (2), Reinaldo no Atlético Mineiro, com seu ideal de proletariado no futebol, além da "revolução" proposta pelo modelo de autogestão da Democracia Corinthiana (3). 

O fato é que os jogadores de futebol, tanto os que estão na ativa, quanto os que já se aposentaram, pouco ou nada usam do seu poder de influência, no que diz respeito a manifestar-se e conduzir a reflexões. No entanto, suas trajetórias e fama são amplamente exploradas política e comercialmente. Cantona, em tempos de patrocínio da Nike, carregava o slogan "Just do it..." (algo como "faça..."), e vivia feliz e contente. Resta saber agora que problema teve Cantona com seu banco, para que sua revolta viesse a explodir assim, tão feroz.



terça-feira, 2 de novembro de 2010

FUTEBOL BRASILEIRO - PROFISSIONALIZAÇÃO, TUTELA POLÍTICA E O "PONTAPÉ" DE FAUSTO


                      Leônidas da Silva, ídolo do futebol brasileiro é recebido por Getúlio Vargas

No ano de 1933 o futebol brasileiro alcançava a profissionalização, tanto pela força e talento de negros e mulatos, quanto pelo processo sem retorno da popularização do esporte, que já possuía ampla cobertura dos meios de comunicação escrita e radiodifusão1. Paralelamente na política, a burguesia industrial se aproximava do governo de Getúlio Vargas que acabara de derrotar a Revolução Constitucionalista de 1932 e desejava promover a industrialização do país.2 Juntamente com os interesses da indústria, surgiram os interesses do operariado que nela trabalha e se organiza em representações sindicais,  buscando melhores condições salariais e de vida. Com uma nova Constituição, em Julho de 1934, o estabelecimento da pluralidade e da autonomia sindicais apresenta por um lado à vitória dos interesses da igreja (atuante frente às questões sociais) e do patronato. Por outro, foi um golpe certeiro no movimento sindical que desejava a unidade das classes e para o Ministério do Trabalho, que partilhava da mesma ideia, mas sob orientação estatal.3
O contexto político-social da época fez com que os segmentos da sociedade repensassem sua condição dentro da nova realidade que se instalara no país. O futebol como meio expressão e participação social, logo tem seu oficio redimensionado, pelo investimento estatal que visava à consolidação da relação de apoio das massas ao governo vigente:
(...) Olhando em perspectiva histórica, talvez seja precisamente esse o aspecto mais importante, embora até hoje pouco notado, da participação brasileira na Copa de 1934. O então presidente da CBD era Luiz Aranha, irmão do ministro da Fazenda Oswaldo Aranha, ambos revolucionários de 30 e diretamente ligados ao presidente Getúlio Vargas, enquanto o chefe da delegação que foi a Itália era Lourival Fontes, diretor da secretaria geral do gabinete do interventor do Distrito federal, e que anos depois, já no Estado Novo, viria a ser diretor do todo-poderoso Departamento de imprensa e Propaganda (DIP). Essa íntima relação entre o poder e o esporte não escapou à Folha da Manhã, que, sem meias-palavras, atribuía à “situação política dominante” o fato de Luiz Aranha estar frente a CBD – de onde, aliás, defendia a oficialização dos esportes como “medida necessária, tendo em vista a influência do esporte para tornar conhecido o país.”4
Leônidas da Silva, craque de futebol que enchia os estádios na década de 30, e cuja fama serviu como um mecanismo de comunicação entre governo e as massas, demonstrava-se seduzido pela Estado Novo, em declaração no ano de 1941: “graças a Deus em qualquer parte do território nacional, mercê do Estado Novo, que tanto tem felicitado o Brasil, vive-se já num ambiente de inteira liberdade as claras (...) Profissional de futebol não é escravo.”5
As relações e demandas criadas nas próprias entranhas do esporte vão gerar movimentos pró-condições de trabalho e salário, para os atletas que viviam exclusivamente de sua prática:
Tanto o manifesto dos jogadores paulistas quando o êxodo de craques para o exterior revelam que os atletas percebiam muito bem, e não aceitavam mais, a situação contraditória que viviam no início da década de 30, Mesmo que fizessem do futebol sua única profissão, o que era cada vez mais comum, eles não dispunham de qualquer garantia formal que lhes permitisse exercer trabalho com segurança e tranquilidade. A insatisfação, no entanto, não era demonstrada só por aqueles que entravam em campo. Muitos dirigentes cariocas e paulistas, bem como boa parte da imprensa esportiva, também estavam descontentes com as incertezas do semi- profissionalismo, ou, na expressão da época, “amadorismo marrom”. Para essas grupos somente a profissionalização poderia assegurar a força dos clubes e o vigor do espetáculo, à medida que criaria um vínculo mais efetivo e consistente entre jogadores e equipes (...) Para os jogadores , na verdade a profissionalização não consistia em mera questão de preferência. O futebol permitia a sobrevivência imediata e, quem sabe, a realização do sonho da ascensão socioeconômica para muitos daqueles que não encontravam oportunidade pelo trabalho.”6
Assim como as estruturas do futebol dão suas cartas, seus atores principais, os jogadores, estes os derradeiros responsáveis pelo jogo, darão as suas caras, a medida que veem a capacidade de transformação de suas vidas, em seus pés.
FAUSTO: O PRIMEIRO A REIVINDICAR
É no início da década de 30 que salta a figura de Fausto dos Santos ou, Fausto, “a Maravilha Negra”. De origem pobre, oriundo o interior do Maranhão, já na década de vinte, estabelecido no Rio de Janeiro, demonstrava sua habilidade e estilo elegante de jogo. Em 1927, transfere-se do Bangu para o Vasco da gama, no momento, único time brasileiro que permitia a atuação de atletas negros no time. Seu talento com a bola, era a sua única possibilidade de ascensão e perspectiva para uma vida melhor:
Fausto sempre jogou futebol com raiva. Ia na bola como num prato de comida. Jogava sério e encarava o futebol como meio de escapar da pobreza, ganhar dinheiro para poder desfrutar a vida em gafieiras e rendez-vous, muita cachaça e violão. Os críticos chamavam-no de tudo – mercenário, acomplexado, exibido (...) Só não o chamavam de ingênuo. Fausto nunca confiou em cartolas. Nem teve ilusões sobre a discriminação racial, que no seu tempo já era ostensiva. Não alisava o cabelo. Não frequentava a alta sociedade, embora por muito tempo andasse com o bolso recheado e o retrato diariamente nos jornais. Quando tentaram feri-lo dava o troco na hora, ganhando a fama de rebelde, mas também o respeito dos que jogavam com ele (...) Fausto gozou da máxima popularidade permitida a um artista, antes do advento do rádio. Até mesmo Fried (Arthur Friedenrich, primeiro grande nome do futebol brasileiro, que atuou entre as décadas de 10 e 30). Que fora longe demais, ficou em segundo plano, pois Fausto se exibiu para plateias muito maiores, no Brasil e no exterior. A diferença maior entre os dois estava, porém, naquilo que ambos pensavam de si próprios. Fried encarava o futebol como status, fausto como profissão. Ele foi, com efeito, o primeiro proletário consciente do nosso futebol.”7
Contrapor ao sistema dos clubes e lutar por profissionalização, certamente acarretou em reações de antipatia e represália. Trabalhar para viver do futebol, como jogador profissional, era cada vez mais difícil para um negro de origem pobre:
A carga era, de fato, pesada. De amador – e nunca lhe pagaram a metade do que valia – queria passar a profissional; da várzea, queria passar a estrela internacional – e todos os seus contratos no exterior foram rescindidos dramaticamente, no Uruguai, na Espanha, na Suíça; de “carregador de piano”, no modesto Bangu, quis passar a primeira estrela do Vasco e do Flamengo – e a cartolagem, certa feita, chegou a impedi-lo de jogar, acionando, para consumar a arbitrariedade, até o Departamento de Censura Federal (...) O conflito com Kruschner, técnico húngaro de enorme prestígio nos anos 30, que o empurrou para a humilhação e o sacrifício, ficou como exemplo do massacre a que estão sujeitos os que não se submetem – mas são fracos, e isolados, para resistir. Formalmente, o técnico estrangeiro tinha razão: a nova lei de impedimento, editada em 1925, matara o centro-médio. A questão porém, era de fundo: arte popular contra sistemas importados de jogo. As poucas vozes que então se ergueram para aprofundar o problema foram abafadas por um velho e arraigado preconceito da nossa crônica esportiva: o de que futebol nada tem a ver com política (...) Nos dois últimos anos de vida , Fausto criou a escola de centro-médios brasileiros: matada no peito, passadas elegantes, cabeça em pé, passe perfeito a qualquer distância. O meio de campo se tornou depois dele (...) a posição do “cobra” do time (...) A cada jogo, precisava provar que aquela inovação do WM era má. Terminava o primeiro tempo botando os bofes pela boca, e não agüentava o segundo. Adiantava? Não. Os críticos se enchiam mais de razão: Kruschner é que estava certo. O futebol tinha de evoluir. Em todo país, do Fluminense ao mais modesto time de várzea, começou a se jogar no WM. Diante da realidade, e menino pré de Codó (onde nasceu), que um dia pusera a Europa de joelhos, mais parecia um guerrilheiro desarmado.”8
A década de 30 passa e, apesar da profissionalização do futebol, bem como seu reconhecimento como patrimônio nacional, não são criados dispositivos legais que fundamentam a carreira dos atletas, ou lhe garantam qualquer tipo de benefício, mesmo em um momento de organização sindical e estrutural do trabalho no país. Sua popularidade e função junto ao público serão cada vez mais exploradas e apropriadas pelo Estado.
Na década 40, ainda sob a tutela militar o futebol acompanha a transição de poder de Getúlio Vargas para o general Eurico Gaspar Dutra, que inicia seu mandato em 1946, para concluí-lo no mesmo ano da ocorrência histórica da primeira (e única) Copa do Mundo no Brasil, em 1950. Como relata José Esmeraldo Gonçalves no artigo Algumas Reflexões sobre o jogo da política, no livro Futebol e Poder, observando a “disposição” do general para o esporte:
Sede da copa de 50, o Brasil não mediu verbas para mostrar que aqui se praticava o melhor futebol do mundo. A queda do ditador Vargas abriu espaço para a redemocratização do país, mas as relações Estado-futebol não mudaram. Eurico Gaspar Dutra, o militar eleito para a presidência, em 1946, aprendeu rapidamente que bajular os clubes podia lhe render preciosos dividendos políticos. Na euforia que dominava o Brasil, às vésperas da Copa, Dutra doou ao Flamengo um grande terreno, no centro do Rio, para que o clube construísse a sua sede. Meses depois, eleito e de volta ao Catete, Vargas concedeu ao clube um virtuoso empréstimo, a juros baixos, a fim de que pudesse erguer no terreno doado, um prédio de 24 andares.” 9
No decorrer da década de 50 o estigma da tutela militar não está presente diretamente. Getúlio está de volta ao poder, eleito pelo voto direto, mas a pressão das fardas, indústria e economia são constantes. Na Copa da Suíça, em 1954, aos socos e pontapés, o Brasil é desclassificado pela Hungria enquanto que, com um tiro no coração, Vargas sucumbe à crise do país, saindo “da vida, para entrar na história”. Em 1955 Juscelino Kubitschek é eleito presidente, assumindo o poder e colocando seu Programa de Metas, com seis pilares: energia, transportes, alimentação, indústrias de base, educação e a construção de Brasília, como nova Capital Federal. A industrialização cresce em larga escala, e as grandes montadoras mundiais (Willys Overland, Ford, Volkswagen e General Motors), se instalam em solo brasileiro. Em meio à crise econômica, norteada pela inflação e o déficit público, o Brasil consagra-se Campeão da Copa de 1958, revelando ao mundo o talento de Pelé e Garrincha, reconhecendo-se assim como uma “indústria de jogadores”. No entanto, esta seleção apresenta uma peculiaridade do futebol brasileiro desde sua origem é ressaltada por Joel Rufino dos Santos, em História Política do Futebol Brasileiro: o preconceito racial. Segundo o autor:
Que fique registrado para a História do Futebol Brasileiro, que os titulares, Joel e Dida, não eram cabeças-de-bagre. E De Sordi e Orlando – que ocupavam lugares de Djalma Santos e Zózimo – eram zagueiros regulares. Por que então os crioulos estavam de fora? Só havia um preto naquele time, quando entramos contra a Austrália, o mago Didi (seu reserva era também, um pretinho insinuante chamado Moacir) (...) Racismo? Nenhum jornalista que fez a Copa, nenhum jogador que dela participou, foi jamais taxativo a este respeito. Mas, era coincidência demais pretos na reserva e brancos que jogavam menos. Nossa cartolagem é suspeita em matéria de barrar jogadores pretos – desde Fausto, passando por Leônidas, Zizinho, Sabará – Sob pretexto de que não sabiam se comportar como cavalheiros. Talvez em 1958 não tenha havido discriminação ostensiva contra os escurinhos, mas, apenas a deliberação de fazer um time o mais branco possível.” 10
Ainda que a questão racial não seja o centro desta análise, certamente ela salta em inúmeras referências no decorrer das observações. Desde a origem da profissionalização, apresenta não só o ponto compreendido como “determinante e diferencial” no talento do jogador de futebol brasileiro, mas como o ponto de recusa de sua atuação frente a alguns segmentos da sociedade. A tutela militar sobre o futebol, que tem em uma de suas bases a questão da disciplina, cuja quebra das regras está presente em um senso comum discriminatório, sempre associado ao comportamento dos negros. E esse choque permanecerá nos anos conseguintes, mas atendendo a novas reconfigurações, conforme a necessidade dos que ditam as regras. E é exatamente sobre a figura de um jogador mestiço, cuja conduta não se adequava aos anseios da ordem e com o surgimento mais que proposital de um jogador negro “diferente”, é que no final dos anos 60 e início da década de 70, proporcionará a ditadura militar brasileira montar um “circo” sobre uma “masmorra.”

1 Franzini, Fabio. Corações na Ponta da Chuteira – Capítulos Iniciais da História do Futebol Brasileiro (1919 – 1938). p. 51-59
2 Fausto, Boris. História do Brasil. p. 367
3 Gomes, Ângela de Castro. A Invenção do Trabalhismo. p.175
4 Franzini, Fabio. Corações na Ponta da Chuteira – Capítulos Iniciais da História do Futebol Brasileiro (1919 – 1938). p. 66-67
5 Santos, Joel Rufino. História Política do Futebol Brasileiro. p. 53-54.
6 Franzini, Fabio. Corações na Ponta da Chuteira – Capítulos Iniciais da História do Futebol Brasileiro (1919 – 1938). p. 62-64
7 Santos, Joel Rufino. História Política do Futebol Brasileiro. p. 34
8 Santos, Joel Rufino. História Política do Futebol Brasileiro. p. 34-35
9 Gonçalves, José Esmeraldo. “Futebol e Poder: Algumas considerações sobre o jogo da política” in: Dieguez, Gilda Korff (org.). Esporte e Poder. p. 24
10 Santos, Joel Rufino. História Política do Futebol Brasileiro. p. 70-71

sábado, 30 de outubro de 2010

SOBRE O MARADONA, ESCREVI EM 2009...

É incrível que mesmo tendo dado o ar da graça por aqui em meados de 2008, o filme de Kusturica tenha passado batido pelos fãs de futebol, no Brasil. Em tempos em que a imprensa mais uma vez inventou um "circo" em que Maradona teria desatinado palavras e chavões contra o "rei" e seus súditos brasileiros, às vésperas de um sonoro 3 a 1 da seleção canarinho sobre os hermanos e, estando estes na chamada "degola" da classificação para a Copa da África, vale levantar algumas questões, ao meu ver fundamentais, sobre o evento "anti-maradonismo":

* O filme de Kusturica, longe de ser uma panfletagem de líderes latino americanos (constatação medíocre feita em http://blog.estadao.com.br/blog/merten/?title=maradona_kusturica&more=1&c=1&tb=1&pb=1), é a humanização do homem Maradona, transformado em "deus" por seus fãs argentinos, para um deleite específico de pessoas reunidas em torno de um tema, com garotas de shortinho e cantos líricos de letras cômicas, caracterizando nada mais que a construção de momentos de lazer, algo cabível perfeitamente no imaginário futebolístico (ou será que só no Brasil se pode fazer isso?);

* É impressionante como que o mesmo conglomerado de empresa televisiva, cria com seu corpo jornalístico na TV aberta o fato polêmico, recortando falas do técnico da Argentina e mexendo de forma ufanista na ferida dos brasileiros, tem em outro competente canal na TV a cabo uma equipe jornalística que afirma categoricamente que "desconhece tais provocações";

Gol de mão contra a Inglaterra: nem Pelé fez!

Relembre os detalhes do jogo antológico entre Argentina e Inglaterra em 1986:

* A dor dos reacionários de plantão, não aceita que, frente a Pelé, frequentemente citado como "exemplo de cidadão" ou de causas diversas, um declarado rebelde do futebol como é Maradona, atire em seus desafetos com sua boca incontrolável, sem se preocupar em zelar por uma imagem a ser mantida a duras penas. Assumiu seu vício, sofreu perseguições e, como é de se esperar, foi comparado com o numero "1" e perdeu não somente na instância do futebol mas na "força do caráter". Algo a se pensar pois, se dentro de campo Pelé foi o melhor, fora dele, nada fez para minimizar a desgraça política que seu país vivia na ditadura comandada pelas mãos malditas e assassinas do General Médici. Suas falas, muitas vezes, legitimaram o governo e sua imagem foi usada a exaustão pelos generais. Quando se deu conta já era tarde e nada fez além de ficar emburrado. Maradona assumiu, ainda que de forma ingênua, uma "guerra" também de generais e entrou em campo em 1986 contra a Inglaterra, para de alguma forma, passar a limpo a recente e angustiante história de seu país, sobretudo uma empreitada delirante dos milicos locais na Guerra das Malvinas (http://www.historianet.com.br/conteudo/default.aspx?codigo=917), vitimando civis de farda. E o gol de mão contra os leões da rainha, tão frequentemente mencionado negativamente por Pelé, foi genial! Mão se discute.

Independente da classificação ou não da Argentina para o próximo mundial, Maradona precisa ser visto e compreendido com olhos despidos de bairrismo e comparações de senso comum. Sua arte foi incrível e, como centenas de outros gênios da bola, pereceu ante o final da carreira como jogador, tendo sua humanidade exposta e potencializada. E por obra do panteão mitológico do mundo da bola, felizmente, não partiu ainda de forma trágica, como aconteceu com tantos outros. Se Maradona não é um "deus" na concepção religiosa da vida real, sem dúvida é um dos deuses mitológicos da bola.

Por Adriano C. Tardoque

Trailer "MARADONA": http://www.youtube.com/watch?v=yKJUyxuc-24

PUBLICADO ORIGINALMENTE EM 19/11/2009.

terça-feira, 31 de agosto de 2010

CORINTHIANS - 100 ANOS DE UM FENÔMENO SOCIAL

O Corinthians dos Primórdios

A noite quente paulistana vai tomando contornos de reveillon. Ao longe, fogos de artifício emitem sons ocos e abafados, unidos ao ecoar de algumas vuvuzelas que sairam do armário. Em 1 de setembro de 2010, o SPORT CLUBE CORINTHIANS PAULISTA, completa 100 ANOS de existência, de uma história de paixão, capaz de desafiar qualquer senso de amor ou de razão. Do choro da criança da periferia, vestindo a “surrada” camisa do time, a euforia do acadêmico na defesa de uma tese de ciências sociais, as parcelas e as possibilidades mais distintas e controversas da sociedade, são abraçadas por esta agremiação de ponta-a-ponta. Tantas possibilidades fazem dele, o CORINTHIANS, um fenômeno "histórico-sócio-antropológico", de perfil único no pais. Seu escudo reúne as massas que significam e re-significam sua coletividade a partir da individualidade dos seus sujeitos, transformando-se num dos emblemas mais conhecidos na história do país, sobretudo na segunda parte do seu século. 

"Basílio: o gol mais emblemático da história do Timão
Sua trajetória, além campo, apresentou-se relacionada diretamente com o desenvolvimento socio-econômico do país, trilhando na cidade de São Paulo, carro chefe do processo brasileiro, seu caminho de crescimento e desenvolvimento. E da reunião dos imigrantes no Bom Retiro, no ano de 1910, ao anúncio do tão sonhado estádio próprio, que sediará a Copa do Mundo de 2014, algo foi absolutamente diferencial e fundamental para a formatação desta grandeza: a indescritível e inquestionável fidelidade de sua torcida. Parabéns ao Corinthians pelo seu aniversário e aos meus amigos corintianos (sobretudo meu amado filho, Gabriel Arthur) pela alegria com que fazem sua festa!




Por Adriano Tardoque

Saiba Mais:
Revista “Aventuras na História – O Século do Corinthias”. Editora Abril, 2010.

quarta-feira, 25 de agosto de 2010

DEMOCRACIA CORINTHIANA: UMA CONSTRUÇÃO - PARTE 2 - OS “TRÊS MOSQUETEIROS” DE OLIVETTO


OS “TRÊS MOSQUETEIROS” DE OLIVETTO
Washington Olivetto: o mentor da Democracia Corinthiana
 No livro Corinthians: É preto  no branco, escrito em parceria com Nirlando Beirão, Washington Olivetto faz uma "brincadeira" com a questão do torcedor corintiano apaixonado, que sempre tem uma visão própria e peculiar dos fatos, que envolvem a história do clube. Usa páginas brancas para escrever o que chama de “versão oficial dos fatos” (elabora fatos reais com os fatos “desejosos” que envolvem o do clube”) e as páginas escuras, destinadas a “verdade dos outros” (o que de fato ocorreu). Além de um capítulo destinado a Democracia Corintiana, escreve outro ao que chama de Outros heróis da Armada Democrática. Neste, fará uma breve descrição dos três principais jogadores do movimento, Sócrates, Wladimir e Casagrande, buscando associar estes a figuras conhecidas do meio artístico e político, o que viabiliza ainda mais a idéia da construção de personagens ligados as características pessoais dos aos atletas. Compreende-se pelas observações de Olivetto (ainda que, em algumas vezes, fictícias), sua projeção “publicitária” dos jogadores. O primeiro a ser descrito é Walter Casagrande:
Era um garoto que como eu amava os Beatles e os Rolling Stones – e também The Clash, Steve Wonder, por aí a fora. Tinha uma queda também pela MPB: Chico Buarque, Baby Consuelo, os Novos Baianos e até os velhos, eventualmente (...) Tênis, cabelo longo e encaracolado – era o que bastava para que o futebol careta passasse a dizer que Walter Casagrande Junior era um rebelde capcioso. Nasceu na Penha, Zona Leste, e nascer na Zona Leste, Ed, a região que mais tem a cara e cheiro de São Paulo é quase certidão de batismo de corintiano (...) Aos dezoito anos, mal se profissionalizara, foi recrutado para uma viagem ao Nordeste pelo treinador do time principal. Era o legendário Oswaldo Brandão, que tinha um coração duro, como veios de madeira de lei. No aeroporto, Brandão mandou dispensar o meninão. Casagrande virou bicho e partiu para cima. Incompatibilidade total de gênios: Brandão disse que não queria mais saber dele, Casão disse que não iria jogar com Brandão. Virou artilheiro em Minas – pela modesta Caldense (...) Tudo isso que agora conto, Ed, é para descrever uma trajetória pouco comum entre os jogadores daqui. Casagrande veio da classe média. Tinha família ajustada, tevê no quarto, aparelho de som três-em-um. Não precisava submeter-se aos caprichos autoritários dos treinadores e dos dirigentes, nem tinha estofo para tanto. Era uma nova geração que, literalmente, entrava em campo (...) Combinava com aquele Corinthians dos novos tempos um sujeito que, afora fazer gol, dizia a verdade. Marcou sete gols numa semana, logo que voltou; quatro numa só partida, contra os papagaios verdes. Com status de ídolo instantâneo, aos dezenove anos ele abria o jogo. “gosto de uma cervejinha, sim. Mas na hora certa” (...) Casagrande foi o ícone da Democracia Corintiana tal qual Che foi o ícone da Revolução Cubana (...) Como ele era nosso revolucionário-padrão, e a atmosfera já estava carregada de uma perigosa eletricidade chamada liberdade, a polícia resolveu forjar um flagra de droga contra ele, vésperas do Natal. Foi aquilo de sempre: promotor, delegado, todo mundo querendo tirar uma casquinha na fama do moço. Ele não se deixou intimidar. Acabou absolvido ”.1
Na verdade, não foi à polícia a maior beneficiada com o “escândalo” que envolvia Casagrande. Todos envolvidos com o processo da Democracia Corintiana souberam tirar proveito do fato ocorrido. A ação afobada dos policiais que o prenderam e acionaram a imprensa, antes de chegar à delegacia, saiu como um “tiro pela culatra”. Logo foi atribuída uma “perseguição” política ao movimento do clube, que acabara de apresentar seu primeiro grande resultado dentro de campo, ao vencer o Campeonato Paulista, sobre o São Paulo, pelo placar de 3 a 1, onze dias antes.2 A opinião pública colocou-se a favor de Casagrande, sobretudo nomes como Chico Buarque e Rita Lee, manifestavam-se na imprensa sobre o fato. Em 5 de março de 1983, Casagrande foi absolvido. Segundo ele, em um debate realizado na PUC-SP, no dia 11 de novembro de 2006: “O que eles queriam era mostrar que tudo era uma baderna promovida por um drogado, um negro e um bêbado”. 3 O “mito rebelde” da Democracia Corintiana estava construído.
Wladimir era um patrimônio do Corinthians. Oriundo das categorias de base do clube, desde 1969 atuava com a camisa alvinegra. Considerado como sinônimo da “raça corintiana” tornou-se um recordista absoluto de atuações na história do clube: 805 jogos (entre os anos de 1972 a 85 e 1987). É também o atleta que mais vezes atuou consecutivamente sem lesão ou contusão: 161 jogos.4
Sua representatividade junto à massa torcedora era emblemática. Como capitão do time, representava a liderança e o exemplo a ser seguido:
Wladimir, mesmo sorrindo, impunha o respeito devido à proeminência de seu futebol e á retidão de seu caráter. Por isso, no meio de todas aqueles cardeais da bola do Coringão democratizado, quem foi que virou autoridade em campo? Acertou, Ed: ele, o Wladimir (...) Era capitão com direito a braçadeira e grito. Mas era uma fase diferente do Timão – e ele era um capitão sui generis, que dispensava insígnia e ofensas e, aliás, contestava essa própria conotação militar da palavra “capitão”. O certo era que o lateral da Democracia tinha vocação para poder, tanto que, ao descalçar as chuteira, foi dos raros que se preservaram doa palanques – ele e, por uma simétrica coincidência, o lateral do outro lado do campo, Zé Maria (...) eleito vereador de São Paulo por dois mandatos com maciça votação da Fiel (..) No caso de Wladimir, primeiro ele foi convidado para ser o administrador do Pacaembu, que é o requintado estádio decô de nosso glorioso – mas que, como você já sabe Ed, o Corinthians finge às vezes ser da Prefeitura e, portanto, pertencer a todos, para não despertar ciumeira dos bobocas. Vamos fazer de conta que é verdade, Assim como fez de conta Wladimir, em 1989, ao assumir o estádio (...) Em 1996, coroando bela carreira política em que o Corinthians sempre foi seu melhor cabo eleitoral, ele se tornaria o primeiro prefeito negro eleito na cidade de São Paulo. Você pode estranhar, Ed – aí mesmo, em Chicago, Washington ou Atlanta, um negro mandando na cidade já deixou de ser novidade há mais de vinte anos. Aqui, não: a gente ainda se encanta com um doutor com anel no dedo e obturação de ouro no dente (...) A administração de Wladimir foi um primor, como eram de um brilho só seus malabarismos no gramado. Quebrando outra tradição, essa também bem brasileira, não se viu uma única acusação de corrupção ou de favorecimento enquanto ele governou. Os pobres foram sua opção preferencial. Transformou os terrenos baldios da periferia em campos de futebol, distribuiu material escolar, formou treinadores (...) Ser negro, aqui no Brasil, nunca foi fácil, Ed, embora a vida pareça tão alegre, tão cordial (..). No Brasil, houve conflitos sérios, mas a gente preferiu jogar a história debaixo do tapete. Tem, por exemplo, o levante de Zumbi de Palmares, no Nordeste. Zumbi era líder de um quilombo, lugar fortificado para onde fugiam os negros. A tropa imperial os massacrou e Zumbi, em gesto final de rebeldia, se projetou do alto de um rochedo (...) Wladimir nunca viveu do ressentimento e do rancor, mesmo por que tem o espírito de liberdade guardado no peito. Mas insistentemente, desenvolveu a idéia de que era chegada a hora de ampliar a atmosfera da democracia até redutos mais fechados da aristocracia do futebol. Já que o Corinthians estava lotado, resolveu despachar o filho Gabriel para o São Paulo Futebol Clube (...) É duvidoso que alguma virtude viceje. O tal clube do Morumbi é antro de almofadinhas de punho de renda, gente metida a besta, e falar em democracia perto deles é como xingar a própria mãe”.5
Quando fala de Wladimir, Olivetto vai um pouco mais além nas “brincadeiras”. O ex-jogador corintiano realmente foi administrador do estádio do Pacaembú, mas não foi o primeiro prefeito negro de São Paulo. Ao contrário do que “desejou” para Wladimir, Celso Pitta, foi o primeiro prefeito negro da cidade, entre os anos de 1994 a 1998. Sua gestão ficou marcada por corrupção, superfaturamento de obras e extorsões cometidas por fiscais da prefeitura. A questão racial não veio à tona diretamente, o que é compreensível em uma sociedade de racismo velado. É importante observar que mesmo trabalhando em fatos fictícios, Olivetto já deduz que Wladimir enfrentaria a questão do preconceito racial, na posição de político em evidência. Quando se refere a “ampliação da democracia”, citando a ida de seu filho Gabriel para o São Paulo Futebol Clube, que insinua como um “reduto aristocrático do futebol”, onde “é difícil que alguma virtude viceje” e “onde falar de democracia perto deles é como xingar a mãe”, se esquece de mencionar nas páginas negras (“verdade dos outros”) que o Corinthians recusou Gabriel como jogador, e a chance que obteve foi no tricolor paulista. Além de que em 1985, Casagrande se transferiu para o clube do Morumbi, onde foi consultado e ouvido sobre as ações que fazia frente ao seu clube anterior. Olivetto também se esquece de que o São Paulo é um dos poucos clubes brasileiros que cumpre os estatutos de eleições para presidente, que obrigatoriamente deve deixar o cargo ao final do mandato e que as implementações feitas pelo clube nos últimos vinte anos, tem refletido em atualizações políticas, comerciais e esportivas que tem gerado títulos (três Mundiais Interclubes, três Copas libertadores da América e três Campeonatos Brasileiros, destacando os principais). A realidade do Corinthians pós democracia, passa longe de qualquer um destes pontos.
SÓCRATES: A CONSTRUÇÃO DO ÍCONE DA DEMOCRACIA
Sócrates: o "pensador" da Democracia Corinthiana
 Existentes os elementos de novas possibilidades de contrato de futebol, com base na participação de empresas com pagamento de salários via patrocínio; o país em processo de abertura política, possibilitando manifestações públicas (sob vigilância) e ainda um jogador politizado, universitário e com todos os elementos de “desobediência” a rigidez militar, tem-se então a desejosa e útil figura do mito da Democracia Corintiana, cujo próprio nome, remetia ao pensamento e nacionalidade: Sócrates Brasileiro de Souza Vieira e Oliveira, ou simplesmente, Sócrates. Este, logo se tornou à figura central do movimento, exatamente pelas representações que trazia em si: não era exatamente um atleta, na acepção da palavra, pois mantinha hábitos como o cigarro e a “cervejinha”, além cabelos compridos e barba, além de nível superior (medicina – como Afonsinho, ex-Botafogo e "rebelde"), engajamento político (simpatizante do PMDB) e, evidentemente, um craque de futebol. No período da Democracia Corintiana, dentro de campo Sócrates justificava a eterna relação jogador torcedor, fazendo grandes lances e belos gols. Fora de campo, desenvolve suas relações políticas, respaldado com as estruturas propostas pela auto-gestão do clube. Seu destaque frente à massa torcedora como ídolo e ao grupo de atletas como voz, lhe proporcionam uma posição privilegiada nas investidas da mídia.
O jornalista Juca Kfouri, então diretor da redação de uma das maiores publicações do futebol do país, à revista Placar, coordena uma edição em outubro de 1982, com a manchete “Sócrates: Eu, Governador”, cujo editorial, deixa transparecer seu intento frente ao evento:
Daqui a pouco mais de um mês a torcida brasileira tem um encontro marcado com as urnas. O dia 15 de novembro é a data exata desse saudável momento (...) Até lá os candidatos continuarão buscando votos, as pesquisas cão se aproximar mais da realidade e o torcedor ainda indeciso terá tempo para cumprir o seu dever conscientemente (...) O mundo do futebol não está alheio a este episódio. Como a bola, as eleições também apaixonam o país e os nossos jogadores delas participam cada um a seu jeito (...) Zico, por exemplo, não quis, convidado por Placar, expor um plano de governo para a curiosa hipótese de vir a ser governador do Rui de Janeiro, embora não esconda que seja eleitor do PMDB (...) Já o Doutor Sócrates – que vota igual a Zico, mas se recusa a participar da campanha ostensivamente -, aceitou fazer sua plataforma, dedicando-se com tal seriedade à idéia que atrasou em uma semana a publicação da reportagem (...) Com ele, o gaúcho Cleo, o mineiro Reinaldo e o carioca Paulo Sérgio também fizeram as suas. O resultado (...) é animador. Demonstra claramente o bom nível do futebolista brasileiro e sua generosidade (...) Se o atleticano Reinaldo se mostra muito preocupado com a qualidade de vida do povo, e pouco democrático, todos os outros craques parecem saber dosar uma e outra coisa (...) E pensar que até bem pouco tempo não se tirava uma declaração política dos ídolos do esporte nacional”.6
Bastante otimista o editorial quanto à postura política dos atletas, ditará a mesma tônica na matéria que caracterizará um pano de fundo para a para e exposição de Sócrates, como figura pensadora do processo político, dando-o espaço maior em fotos e texto na publicação, tendo os demais, suas participações reduzidas a quadros com suas falas. O repórter Marco Aurélio Borba cria uma ambientação mais “íntima” com o jogador corintiano, no texto de abertura da reportagem, deixando claro a diferenciação e interesses:
A política está em todas as cabeças brasileiras, nestes pouco mais de 30 dias que antecedem as primeiras eleições diretas para governadores dos últimos 17 anos. Está na cabeça também, dos profissionais do futebol, dos obscuros aos consagrados. Placar propôs uma questão a quatro craques de São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais e Rio Grande do Sul: o que você faria se fosse governador do seu Estado. O gaúcho Cleo, volante do Inter, resumiu rapidamente duas idéias, em depoimento ao repórter Divino Fonseca, assim como o mineiro Reinaldo, centroavante do Galo, transmitiu ao repórter Rogério Peres idéias socializantes, mas, ao que parece, pouco democráticas (...) Já o goleiro Paulo Sérgio, do botafogo, esquematizou um breve mas abrangente programa, relatado à repórter Maria Helena Araújo. Mas o atacante Sócrates do Corinthians e capitão da Seleção brasileira, foi além do que se esperava. Mesmo ante a insistência deste repórter para que ele desenvolvesse as linhas mestras e deixasse a complementação por conta de um papo mais aprofundado, o Magrão, recusou-se. Quis ele próprio elaborar o seu programa de governo. E o fez, entre viagens, concentrações e algumas broncas amigáveis relacionadas com o atraso na entrega do trabalho. O resultado aí está, digno de um verdadeiro candidato ao palácio dos Bandeirantes.7
Em seu texto, Sócrates faz uma introdução de contexto político com ênfase na democracia e coloca propostas que estão de acordo com as necessidades básicas de todo e qualquer cidadão:
O ideal político sempre foi um planejamento executivo direcionado para o bem estar de toda a população, não apenas para parte dela. Assim, tentarei colocar as minhas posições sem vincula-las às dos partidos que disputam as próximas eleições (...) Democracia é um direito que devemos exigir. Seu exercício porém, nem sempre é agradável para todos, já que as posições individuais devem ser questionadas e analisadas, antes de se tomar decisões. Após formar sua equipe de trabalho, o Executivo deveria, sempre, atrair todos os segmentos sociais para participarem da execução de seus projetos. Setorizar diretrizes, embora seja mais didático, também é questionável, já que tudo está interligado (...). O brasileiro busca, basicamente, trabalho, educação, habitação, saúde a alimentação (...) Trabalho – é preciso gerar empregos com estímulo dos órgãos financeiros do Estado e com boa utilização da receita públicas, sempre com estudos prévios das diversas regiões do Estado (...) Habitação e solo urbano – o governo deve incentivar a criação de comunidades – com créditos de orientação – para a construção de casa própria. Deve utilizar todos os seus terrenos ociosos (...) deve regularizar todos os loteamentos clandestinos e favelas que já tenham moradores (...) além de criar infra-estrutura básica para essas comunidades, através de luz elétrica, calçamento, rede de esgotos e água encanada (...) Para melhorar o sistema de assistência médica, o primeiro passo é valorizar a profissão, com melhor remuneração e condições de trabalho. Depois, incentivar e financiar a medicina preventiva e a pesquisa (...) Bem aparelhado, um ambulatório pode atender 90% dos casos, evitando o excesso de procura de hospitais, o que acarreta mal atendimento (...) Educação – Primeiro, é valorizar o magistério, com remuneração digna, que elimine a necessidade de acumular empregos e melhore a qualidade do ensino. O governo tem o dever de proporcionar a toda a população em idade escolar o acesso à instrução. Só faremos um grande país se tivermos um povo culto (...) O maior problema do ensino médio é que todos os alunos são orientados para chegar a universidade, o que não só é errado, como torna o acesso a esta mais difícil. O governo deve estimular e valorizar o ensino profissionalizante, tornando-o uma opção profissional de nível idêntico ao superior (...) Alimentação – Num país essencialmente agrícola, o campo deve merecer amplos recursos, e o Estado deve zelar para que o produtor receba preços justos pelo seu produto, além de impedir que ele chegue ao consumidor inflacionado pela presença de intermediários (...) Para evitar a monocultura, o Estado deve dar igualdade de tratamento, em relação aos preços do mercado, a todos os produtos. Além disso, deve utilizar suas terras ociosas para o aproveitamento por pessoas que queiram trabalhar no campo (...) Enfim, todos esses planos podem e devem ser colocados em prática, pois são anseios de um povo que busca o seu bem-estar. Mas só conseguimos isso quando todos tiverem ampla e total liberdade para se expressar, se informar, participar, escolher e, sobretudo, protestar. Isso é viver com dignidade” 8.
Sócrates, que em seu longo e discursivo texto prende-se as demandas básicas do país, não elabora uma idéia de transformação política profunda,  omo é o caso de Reinaldo (José Reinaldo de Lima), jogador do Atlético Mineiro, em entrevista, na mesma matéria:
Primeiro escolheria uma assessoria competente, que é a base de qualquer governo. Depois, mudaria tudo, a partir do sistema de governar , com implantação de uma forma primitiva de socialismo. Aliás, não sei se seria primitiva ou avançada; sei que todos teriam direitos sociais assegurados, mas perderiam um pouco de liberdade políticas. Entre os direitos sociais estariam a saúde, alimentação, educação, emprego e bons salários (...) Sonho com um governo de uma só idéia e um só partido, onde todos estivessem de acordo e tivessem seus direitos sociais garantidos. Os problemas mais sérios das diversas categorias sociais – inclusive jogadores de futebol – teriam de ser solucionados, sem privilégios ou facilidades para nenhuma classe. Apenas a cúpula dirigente teria algumas vantagens naturais e normais” 9
O breve discurso de Reinaldo apresenta um argumento fundamental: como organizar os jogadores de futebol como classe, sendo que no próprio contexto do futebol os contratos das estrelas da bola são diferenciados dos demais integrantes do grupo, como foi visto anteriormente? No seio da Democracia Corintiana, os três principais porta-vozes do movimento dispunham de contratos diferenciados com os patrocinadores, como colocou o próprio Adilson Monteiro Alves ao explicar seus novos investimentos junto ao clube. Se por um lado, o movimento democrático no Corinthians apresenta a questão do poder de voto e escolha nas questões referentes ao elenco, concentração, tática de jogo, etc, por outro o patrocínio das empresas dita suas escolhas e a questão salarial passa a diferenciar os atletas entre estrelas e coadjuvantes.


1 Olivetto, Washington; Beirão, Nirlando. Corinthians: É preto no branco. p.195-197
2 “A prisão em flagrante de Casagrande ocorreu por volta das 20h 30 de quinta-feira, 23 de dezembro de 1982, na Penha, quando conversava com três amigos. Foi levado ao 10.º Distrito e libertado depois de ter pagado fiança de 30 mil cruzeiros. Denunciado com base na Lei Antitóxicos (com pena variável de seis meses a quinze anos de detenção), acabou absolvido pelo juiz da 1a Vara Distrital da Penha, Geraldo Euclides de Araújo Xavier”. Olivetto, Washington; Beirão, Nirlando. Corinthians: É preto no branco. p.208
3 Declaração de Walter Casagrande no Debate “Democracia Corintiana”, realizado em 10 de novembro de 2006, com intermediação de Fernando Abrucio (FGV-SP) e participação de Alex Simão (ex-presidente da Gaviões da Fiel Torcida), Casagrande (ex-jogador), Waldemar Pires (ex-presidente do Corinthians), Wladimir (ex-jogador) no Seminário “Metrópole, identidades e futebol – Uma nação chamada S.C. Corinthians Paulista”, realizado de 06 a 10 de novembro na PUC-SP.
4 Unzelte, Celso. Almanaque do Corinthians. p.133
5 Olivetto, Washington; Beirão, Nirlando. Corinthians: É preto no branco. p.200-202
6 Kfouri, Juca. “Quem disse que jogador não pensa bem?”. Revista Placar. N.º 647 – 15 de outubro de 1982. p-3
7 Borba, Marco Aurélio. “Se eu fosse governador...”. Revista Placar. N.º 647 – 15 de outubro de 1982. p-19
8 Sócrates. “Se eu fosse governador...”. Revista Placar. N.º 647 – 15 de outubro de 1982. p.20-22
9Reinaldo. “Se eu fosse governador...”. Revista Placar. N.º 647 – 15 de outubro de 1982. p.22

sexta-feira, 20 de agosto de 2010

DEMOCRACIA CORINTHIANA: UMA CONSTRUÇÃO - PARTE 1

Sócrates: convocação ao voto

A chamada Democracia Corintiana caracterzou-se por um período em que os jogadores do Corinthians participavam ativamente das decisões do clube. De 1981 a 1985, todos os assuntos relacionados ao elenco, desde a concentração, contratações e sistema de jogo, eram definidos por voto. A existência deste movimento tornou-se possível através da união de interesses dos jogadores, cujos principais representantes eram Sócrates, Wladimir e Casagrande; a diretoria, era representada pelo sociólogo Adilson Monteiro Alves e a comissão técnica, por Mario Travaglini. Todas estas ações ocorriam dentro do contexto social que se caracterizava pela abertura política do país. A campanha do clube no ano de 1981 foi uma das piores da sua história, quando terminou na 26a posição do Campeonato Brasileiro e 8o lugar no Campeonato Paulista. Nesta época os campeonatos estaduais definiam a classificação para o campeonato nacional, fazendo assim, com que o Corinthians disputasse a segunda divisão do Brasileiro de 1982. Dentre outros motivos para a conturbada situação em que o clube se encontrava, surgia o nome de seu presidente, Vicente Matheus, que desde 1959, alternava com outros dirigentes a tutela do clube. Sua importância no processo está na descrição que nos dá Ricardo Gozzi, no livro Democracia Corintiana – A Utopia em Jogo:
Porém seria impossível compreender a Democracia Corintiana sem saber o que se passou no clube nos anos que a antecederam, especialmente nos quase dez anos consecutivos durante os quais Vicente Matheus ocupou ininterruptamente a presidência do Corinthians... Centralizador e paternalista, considerado um símbolo pela maior parte dos torcedores corintianos, Matheus era um dos mais ferozes inimigos da abertura. Com simplicidade e inteligência, pulso firme e declarações folclóricas atribuídas a sua falta de estudo, em muitas ocasiões chegou a tirar dinheiro do próprio bolso para contratar jogadores. Seus adversários nunca ousaram acusa-lo de utilizar o clube para enriquecer ou se promover... Mas individualista e um tanto prepotente, o folclórico presidente do clube entendia pouco de liberdade. Comandava o Corinthians com mão-de-ferro. Certa vez ao comentar seu estilo de administração, declarou : “o Corinthians é uma ditadura mole!” Quando derrotado politicamente no clube, recorria à Justiça. As renovações de contratos dos atletas transformavam-se em verdadeiras novelas. Autoproclamava-se uma espécie de “defensor dos direitos do Corinthians” 1
Paralelamente a participação do Corinthians na competição, acontecia à campanha para a eleição para a presidência do clube. Na época, as eleições se realizavam a cada dois anos, sempre em anos ímpares. Votavam alternadamente conselheiros e associados. Como no ano de 1979 Matheus manteve-se na presidência pelos associados, dois anos depois a presidência do clube seria votada pelos conselheiros. Assim, naquele ano, Matheus não teria elementos suficientes para contornar o estatuto e reeleger-se, conforme orientação de seu advogado. Lança-se então, candidato à vice-presidência pela chapa de Waldemar Pires:
Em 9 de abril de 1981 – somente quatro dias depois da eliminação do Corinthians no Campeonato Brasileiro – os membros do conselho foram às urnas e elegeram Pires presidente do Corinthians. Vice presidente de Matheus nas gestões de 1977 e 1979, Pires encabeçou a chapa nas eleições de 1981. A ordem fora invertida. Pires para presidente, Matheus para vice. Pires era visto pela oposição e pela imprensa apenas como um “laranja” da situação. Uma espécie de testa-de-ferro de Matheus 2
Logo, começaram as especulações sobre quem realmente mandava no clube. Cogitava-se que Matheus é quem daria as ordens e que Pires somente figuraria na presidência. No entanto, Pires começa seu processo administrativo:
Tudo indicava que Matheus prosseguiria no poder pelo menos mais dois anos. Mas não foi assim que aconteceu. Durante a campanha, Matheus prometia dedicar-se a sede social do clube e setores desligados do futebol profissional. Porém durante os primeiros meses da nova gestão, Matheus tentava interferir em todas as decisões a cargo do novo presidente (...) ‘‘O Matheus era meu vice-presidente, mas centralizava muito. Ele queria mandar como se fosse presidente. Então eu me vi obrigado a tomar Atitude’’, conta Pires, o presidente que meses mais tarde criaria a abertura necessária para o estabelecimento da Democracia Corintiana... Insatisfeito com a nova realidade, na qual seu poder não era mais absoluto, Matheus passou afastar-se lentamente de suas funções no clube. Após passar quase uma década na presidência do Corinthians sem a interferência de ninguém, Matheus voltava a cuidar pessoalmente dos negócios em sua pavimentadora, cujo escritório localizava a poucos metros do clube 3
O Corinthians como representação popular refletia em seu interior as questões sociais brasileiras, sobretudo o momento pelo qual passava o país: a ditadura e o seu afrouxamento. Waldemar Pires trazia uma proposta de abertura para o clube:
Fortalecido, Waldemar Pires aproveitou a reunião para deixar claro que aceitava unir o clube, mas exigia de Matheus que se limitasse a exercer o cargo de vice-presidente. Durante o encontro, Pires tomou a palavra e aproveitou para esclarecer algo que a maioria dos membros do conselho deliberativo parecia não entender, acostumado que estava com o estilo centralizador de Vicente Matheus: “Minha administração é marcada pela abertura, na qual cada um participa dentro de seus cargos”.4
Enquanto que Matheus, cada vez mais isolado, criticava e desacreditava a nova gestão:
(...) Matheus comentou a declaração de Pires: “O Waldemar fala de abertura. Ora, o governo bolou a tal abertura, trazendo um pessoal de fora (os exilados políticos) e tudo mais. Agora, quem está no poder? É ele mesmo. Esse negócio de abertura, meu filho, é para inglês ver”.5
A crise se agravava em meio aos péssimos resultados que o clube obtinha em campo. Os diretores do clube passam a colocar seus cargos a disposição do presidente. Quando João Mendonça Falcão, demitiu-se do cargo de diretor de futebol, assumiu Adilson Monteiro Alves, sociólogo, filho de Orlando Monteiro Alves, então vice-presidente de futebol do Corinthians (que indicou o filho ao cargo). Por não ter experiência no meio futebolístico, Adilson opta em ouvir a opinião dos jogadores, dando o pontapé inicial para as mudanças. Logo em seguida é contratado o técnico Mário Travaglini, conhecedor do futebol paulista e então, esperança de salvação para o clube.
Sobre a forma de trabalho de Adilson Monteiro Alves, falou o jogador Walter Casagrande, ao jornalista Fernando Valle, em entrevista exclusiva para o site da revista Caros Amigos:
(...) O Adilson Monteiro Alves era vice-presidente de futebol e tinha a idéia de dar liberdade aos jogadores. Não foi uma coisa planejada, a democracia foi conquistando o espaço naturalmente. Combinou a boa cabeça e preocupação política de alguns jogadores com o comando do Adilson (...) O básico no início era assim: a gente decidia as coisas de contratação, esquema tático, se ia viajar no dia do jogo ou não, uma participação política no clube e fora, coisa que jogador de futebol não tinha antes. Era mais nesse sentido, concentração vinha depois. Os casados não se concentravam, os solteiros sim, mas isso era o de menos, na realidade”. 6
Adilson Monteiro Alves representava uma forma “moderna” de administração para o futebol. A reunião dos membros que compuseram sua equipe de trabalho se relacionava diretamente com seu pensamento político-administrativo que englobava não somente critérios de politização dos atletas (o que exigiu assim que chegou a diretoria do clube), mas a uma visão comercial voltada a venda da marca Sport Clube Corinthians Paulista, tendo os jogadores como “porta estandarte” desta “grife” futebolística. Em matéria intitulada “Adilson, o novo cartola”, escrita pelo jornalista Arthur de Almeida para o Jornal da Tarde, de 13 de dezembro de 1982, Alves apresenta seu pensamento sobre a questão:
É fundamental que o jogador (que hoje ainda conserva a imagem de um artista dos anos 30) ocupe espaço que lhe cabe na sociedade enquanto cidadão. E eles tem uma contribuição enorme para dar. Veja: uma frase do Sócrates por exemplo vale mais que um longo discurso do presidente da República na “Voz do Brasil” (...) Oferecemos em forma de espetáculo, a consciência de que um grupo determinado e unido em torno de um objetivo comum, sempre alcançando este objetivo – diz com naturalidade”.7
É interessante observar que nesta mesma matéria, o jornalista Arthur de Almeida faz alguns apontamentos sobre a nova gestão do clube, sobretudo os tipos de contrato dos atletas:
Se na retórica Adilson tem um desempenho invejável, na prática ele comprovou ter desenvolvido um trabalho respeitável. Por exemplo: corrigiu a distorção incrível de salários no elenco, como o de Vladimir (dez anos de clube, sempre como titular), que ganhava Cr$ 100 mil mensais. Hoje, Vladimir recebe mais de 1 milhão (metade paga pelo clube, metade de contrato publicitário com a Topper). Ainda dentro da questão de salário, Adilson inovou. Sócrates, em breve, não custará nada para os cofres corintianos. Ao contrário, dará lucros. Ele tornou-se “associado” do Corinthians e seu contrato tem dois tipos de trabalho: 1o) jogar bem futebol; 2o) exclusividade para fazer publicidade, aliando sua marca à do clube. O jogador tem um mínimo garantido (cerca de Cr$ 12 milhões). Mas tudo que for arrecadado a partir daí será dividido em partes iguais (...) Por enquanto duas empresas já patrocinam Sócrates (Topper e Corona) e pagam cerca de 60 por cento do seu salário garantido. Como há várias empresas interessadas em outros contratos. Sócrates logo estará se pagando. Mais: Adilson antecipou que Casagrande tem alguns esquemas montados e em estudos (...) O dinheiro arrecadado com tudo isso (venda e empréstimo de vinte atletas) superou – e muito – o valor pago nas contratações (Daniel Gonzalez, Ataliba e Alfinete) e salários dos três novos jogadores (...)Trouxe também o psiquiatra Flávio Gikovate, o publicitário Washington Olivetto, o jornalista José Roberto de Aquino (...) Tudo como em uma empresa”.8
Assim, o Corinthians, no despontar do seu movimento democrático, não se afasta da tendência mercadológica e comercial plantada definitivamente no futebol mundial, desde a metade dos anos 70, com um núcleo de funcionamento, voltado ao lucro e a venda de produtos e marcas. Se por um lado, inovou ao entrar em campo com a palavra “democracia” no lugar do patrocinador, fazendo alusão ao processo político do país, por outro, abria caminho para as empresas investirem em um clube “inovador” no seu processo de auto-gestão. Se ano de 1982 a camisa do Corinthians carregava as inscrições “Democracia Corintiana” ou “Dia 15 Vote”, no ano de 1983, às marcas Bom Bril e a Cofap, dividiram a camisa alvinegra, com as Duchas Corona. Em anúncio que ocupa quase que uma página inteira do Jornal da Tarde, de 13 de dezembro de 82, uma imagem de um jogador, cujo rosto não aparece, é apresentada com o título “Marcas de Campeão”, na qual a camisa suada (“marca Topper na camisa que é paixão, amor e vida de milhões de brasileiros”) é associada à marca do esforço físico do jogador no uniforme: (“marca de suor de quem deu o sangue pela camisa que veste” - a empresa Topper”). O símbolo do time se quer recebe alguma menção.

 Figura 1 – Casagrande leva a inscrição “Democracia Corinthiana” em sua camisa 9. Disponível em: <www.alexandre.taschner.n.../.../subsub050.htm> Acesso em 29 out 2006.

Figura 2 – Considerado símbolo da garra corintiana, desde sua chegada ao clube em 1972, Wladmir atuou 805 jogos pelo clube, sendo seu recordista. Somente ganhará projeção política nos anos da Democracia Corintiana. Acima a foto apresenta o desenho da “Ducha Corona” maior que o símbolo do Corinthians. <www.gazetaesportiva.net/.../promotimao-selecao.htm> Acesso em 29 out 2006.
Sobre a questão do patrocínio exposto na camisa dos clubes de futebol, é interessante a colocação de Edmilson Oliveira da Silva, em seu artigo O esporte como filão publicitário, no livro Esporte e Poder:
Para as empresas o apoio ao esporte é um negócio fabuloso. Além de debitarem os gastos efetuados no Imposto de Renda, elas conseguem publicidade prolongada com o mínimo de custo. Ao ser transmitido um jogo de futebol, por exemplo, os 22 jogadores levam consigo a marca durante 90 minutos, atingindo vários consumidores. Isso seria praticamente impossível às empresas, caso tivessem que “comprar” um terço deste tempo (...) Assim como as empresas utilizam o esporte como meio promocional e de vendas, o esporte também tem sabido “jogar” muito bem com essas empresas. Depois de muita discussão entre os interessados (clubes, leia-se cartolas, e empresas), com exclusão das torcidas – o que denuncia o alto grau de democracia da relação entre cartolas e torcedores – os clubes decidiram vender os espaços de seus uniformes e instrumentos da prática esportiva (desde as superfícies das pranchas até os cascos de embarcações, uniformes e toda a parafernália esportiva). Com isso houve uma espécie de outdoortização dos instrumentos esportivos” 9
Tendo em mãos um produto popular e altamente vendável como o Corinthians, nada mais correto que contratar um publicitário de renome internacional e corintiano “roxo”: Washington Olivetto. Responsável pela imagem do Corinthians democrático, ele foi o articulador das frases em camisetas, bandeiras e orientação política aos atletas no decorrer do processo. Logo no começo de seu trabalho junto ao clube, publicou um anúncio nos principais jornais da época:
Mande uma idéia pro Washington, que ele está precisando (...) Se você é publicitário, corintiano, ou os dois, de preferência, você está intimado a fazer a mesma coisa que o Washington está fazendo: trabalhar de graça para o Corinthians (...) Mande toda e qualquer idéia que você julgue necessária para um bom planejamento de marketing futebolístico para Washington Olivetto, Rua São Jorge, 777, CEP 03087 (...) O Washington promete analisar todas as idéias com o maior carinho e fazer de tudo para coloca-las em prática (...) Ajude o Corinthians a ter uma grande atuação dentro e fora de campo. Mande uma idéia pro Washington (...) A última que ele teve foi fazer este anúncio. Já dá pra ter uma idéia do quanto ele está precisando das suas (...) Adilson Monteiro Alves – Diretor de Futebol Profissional (...) P.S.: Mande uma idéia escrita ou numa fita gravada. Não custa nada pra você e vale muito pro Corinthians” 10 

Constata-se que o próprio anúncio apresenta que o Corinthians não tinha formado em seu interior a questão da democracia, numa observação ampla e política, relacionada ao contexto social fora do clube, caso contrário não seria solicitada uma idéia que “ajude o Corinthians a ter uma grande atuação dentro e fora do campo”. O vazio de idéias que, assinado por Adilson Monteiro Alves, no anúncio para Olivetto, faz parte do processo de criação do publicitário que aguarda um “start” para colocar em prática suas ações. E deste “start” viria da participação do jornalista Juca Kfouri em um debate realizado na PUC – SP, onde “pescou” a idéia, como fala o próprio Olivetto no livro Corinthians – É preto no Branco que escreveu em parceria com o jornalista mineiro Nirlando Beirão:
Atribuem a mim, Ed (direciona a fala a um amigo), esta marca: Democracia Corintiana. Adoraria que fosse mas eu tenho que confessar que não é – eu apenas capturei no ar. Estávamos participando de um debate na PUC, sobre futebol e abertura política, e, de repente o Juca Kfouri – corintiano roxo com quem aprendi as primeiras definitivas lições de imparcialidade futebolística – falou que o que o Corinthians estava fazendo era experimentar a democracia (...) “Democracia Corintiana” – Lancei na hora (...) Você sabe como são os publicitários. Uma frase pode ser tudo na nossa vida. Eu tinha sido convidado pelo subversivo Adilson Monteiro Alves a ser vice-presidente de marketing. Aceitei, é claro, e juro que estava sóbrio, inteiramente consciente, apesar dom que Adilson e eu bebemos naquela noite no falecido Plano’s. O Adilson perguntou: topa? Eu respondi: topo, sim, e de graça (...) O cargo não existia, e eu não sabia muito bem o que fazer além de slogans e frases. Fiz do meu jeito, Ed. Do nosso: um anúncio nos jornais em que eu aparecia vestido com a camisa do Coringão querido e com o título “Mande uma idéia pro Washington, que ele está precisando (...) Em certo momento o Adilson quis institucionalizar a reviravolta democrática, e todos tivemos que virar conselheiros do clube – eleitos oficialmente. Lembro que o Wladimir, capitão da Democracia, virou conselheiro. O Zé Maria, Super Zé, lateral direito, também. Não por acaso foram os dois que seguiram, depois, carreira política. O Doutor (Sócrates) se recusou. Ele já era um jacobino. Não aceitava as regras do jogo – a eleição indireta. Nem mesmo em clube de futebol”11
Daí por diante, o processo de construção da Democracia Corintiana se dará por pontos bastante específicos: um time de massa, com grande potencial em arregimentar torcedores e consumidores; uma marca forte e de ótimas possibilidades vendáveis; meios de comunicação esportiva para a divulgação da marca (e patrocinadores); construção dos atletas como outdoors vivos, de idéias e marcas, bem como a mitificação da imagem do jogador de futebol, tão engendrada culturalmente no país, em uma relação de “proximidade” proporcionada pelo esporte; situação de abertura política do país, que proporcionava manifestações sociais de grande porte e visibilidade.
Ao chamar a atenção para as questões políticas do momento pelo qual passava o país, atraiu também novas possibilidades de patrocínio, além dos olhos da sociedade que voltaram ao clube, que demonstrava nova fórmula de trabalho e atingia resultado ao ganhar o Campeonato Paulista de 1982. No entanto sem a figura e o carisma dos jogadores que estavam à frente do processo, isso não seria viável.

 Figura 3 - Jogadores levantam a faixa com a inscrição “Ganhar ou perder, mas sempre com democracia”, antes da final do Campeoinato Paulista de 1983, quando o time sagrou-se bicampeão sobre o São Paulo. Disponível em: <http://www.citadini.com.br/alambrado/oexp030906.htm>. Acesso em 29 out 2006.


1 Sócrates; Gozzi, Ricardo: Democracia Corintiana – A Utopia em Jogo. p. 29
2 Idem. p.43
3 Idem. p. 45
4 Idem. p. 52-53
5 Idem. p. 53
6 VALLE, Fernando. Casagrande. Arquivo do Site da Revista Caros Amigos, on-line, São Paulo. Disponível em: <http://carosamigos.terra.com.br/do_site/sonosite/entrev_abril04_casagrande.asp>. Acesso em 09 ago 2006.
7 Jornal da Tarde – Edição de Esportes. “Adilson, o novo cartola”, por Arthur de Almeida – Edição de Esportes. P.3.
8 Idem. P.3.
9 Silva, Edmilson de Oliveira. “O esporte como filão publicitário” in: Dieguez, Gilda Korff (org.). Esporte e Poder. p. 44
10 Sócrates; Gozzi, Ricardo: Democracia Corintiana – A Utopia em Jogo. p. 95
11 Olivetto, Washington; Beirão, Nirlando. Corinthians: É preto no branco. p.184

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